Pages

Ads 468x60px

Labels

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Projetos que ouvem e falam

Entrevista de Elizabeth de Portzamparc concedida ao Jornal Estado de Minas.


Sua arquitetura contemporânea integra-se à paisagem de forma harmoniosa. É assim, com um trabalho ancorado em práticas responsáveis, que a carioca de alma parisiense Elizabeth de Portzamparc vem conquistando o mundo.
Casada com o não menos renomado arquiteto Christian de Portzamparc, ela mora na França há 40 anos, mas confessa ter fortes ligações com Minas Gerais. É que sua família é de origem mineira. A arquiteta, urbanista e designer, Elizabeth tem ainda formação em sociologia, antopologia e planejamento urbano. De mais a mais, não esconde a paixão pelo Brasil, e motivos não faltam para isso. Seus dois filhos moram aqui. Desde que deixou o planejamento urbano para se dedicar ao designer, à concepção das formas, não parou de ser premiada. Seu mais novo projeto, o Musée de la Romanité , de Nîmes, na França, foi o vencedor de um acirrado concurso que contou com a participação de 103 arquitetos estrelados de todo mundo.

Conte-nos sobre sua ascendência mineira

Sou carioca, de família de origem mineira, de Belo Horizonte e de Diamantina: Matta Machado e Jardim Neves, da qual me orgulho que alguns  de seus membros tenham contribuído para escrever algumas das belas páginas de abertura da história  do Brasil: a abolição por João da Matta Machado e por Silva Jardim, que foi também um dos fundadores da República, ou, mais recentemente, Tancredo Neves. Também meu pai, Wilson Jardim Neves, contribuiu modestamente com seu trabalho de advogado trabalhista para a reforma de algumas leis obsoletas do Código Civil. O primo de meu pai, Ivo (Jardim) Pitanguy, poderia ter se contentado de exercer na sua clínica de cirurgia plástica, mas não só operou de graça um dia por semana na Santa Casa de Misericórdia do Rio, como financiou para este hospital público a compra de equipamentos sofisticados de cirurgia plástica e lá formou várias equipes de cirurgiões nestas últimas décadas.  Estes fatos traduzem bem a mentalidade familiar muito unida há vários séculos em torno de ideais humanistas.

Como você avalia a arquitetura e o urbanismo no Brasil?

O Brasil teve grandes arquitetos  que marcaram a história da arquitetura mundial: Lúcio Costa, Vianova Artigas, Oscar Niemeyer, Eduardo Reidy, Lina Bo Bard, Sergio Bernardes, só para citar os grandes ícones. Todos eles foram reconhecidos no meio da arquitetura como grandes talentos excepcionais e marcantes. Atualmente, o nome de Paulo Mendes da Rocha honra o Brasil na cena internacional e foi um dos últimos arquitetos a receber o Pritzker Prize, o prêmio Nobel da arquitetura, que aliás o Niemeyer recebeu também há vários anos. Mas, agora, quero falar do imenso impacto que teve a obra do nosso querido gênio nacional, que tive a sorte de conhecer desde pequena. O conjunto da Pampulha provocou varias revoluções e a primeira delas foi nada menos do que o nascimento da arquitetura contemporânea.

Fale-nos dos aspectos determinantes de um projeto

O contexto e o uso. Apesar de minhas pesquisas sobre a leveza dos volumes me levarem a adotar certos elementos recorrentes no meu vocabulário arquitetural, como os jogos de deslocamento de volumes ou a utilização de formas depuradas e econômicas, cada projeto é único para mim, pois pensado para ser construído num lugar único e preciso. Alguns críticos vem denunciando o desprezo pelos aspectos funcionais ou a poluição estética para as cidades que representam os excessos formais ou decorativos que vemos em varias obras atuais realizadas por grandes escritórios conhecidos. Mas este movimento de ideias aborda, sobretudo,  os aspectos estéticos e não denuncia, infelizmente, a arquitetura recente concebida mais como um “logo” comercial, a serviço do marketing e tão celebrada nas mídias atualmente, nem o que é mais grave ainda, perda da noção de utilidade social da arquitetura e, sobretudo, a perda da noção de integração ao contexto. É muito importante atualmente reagir à perda de identidade própria das cidades, ou à destruição das paisagens naturais consequentemente à difusão de modelos internacionais sem nenhuma relação com a cultura e a historia local, e sem nenhum respeito às tradições construtivas, aos materiais locais e ao meio ambiente.

Musée de la Romanité, em Nines, Sul da França. Com este projeto, Elizabeth de Portzamparc venceu o acirrado concurso que contou com a participação de 103 arquitetos. 


A que especificamente você faz críticas

A teoria de laissez-faire total dominou a cena mundial destes últimos anos, e seus mentores fascinaram o meio arquitetural por suas atitudes provocadoras e hedonistas herdadas da pop art. Teorizando a incapacidade dos arquitetos e urbanistas de transformar o mundo real, alguns mentores desses movimentos preconizaram um urbanismo do absurdo, pela exacerbação dos traços principais da sociedade de consumo e da cultura da massa e abandonando todo ideal utopista de transformação social e a ideia de uma arquitetura ou urbanismo a serviço do homem e da melhoria das suas condições  de vida.  Esses projetos baseados na ideia de divertir o homem suscitando surpresas, emoções imediatas foram dominado a cena mundial da arquitetura, gerando uma competição em produzir formas exuberantes, esculturais e gratuitas, sem nenhum vinculo com a cultura própria da cada lugar e desprezando com ostentação a missão humanista da arquitetura, e isso tem descaracterizado  nossas cidades. Nenhuma das duas tendências se preocupou com a identidade própria da cada cidade, com a especificidade das culturas locais, com a especificidade de cada “ecossistema”. A identidade de cada lugar, de cada cidade é um assunto importante para o turismo: para os moradores é fator de vinculo social, de coesão, pois contribui para gerar o sentimento de “pertencer” a um lugar especifico.

O que basicamente caracteriza um lugar?

É necessário criar um ambiente que exprima valores coletivos facilmente identificáveis pelos moradores, elementos simbólicos que exprimam a identidade de um lugar, a fim de que seus moradores os reconheçam e se apropriem das cidades como um bem coletivo no qual eles se reconheçam. Não é possível construir um projeto sem conhecer, entender a cultura própria de cada cidade, de cada país, de cada lugar. Sem o conhecimento não pode existir respeito à cultura própria  de cada lugar. Creio que esse assunto é de interesse geral, sobretudo pensando neste momento que a construção está se desenvolvendo num ritmo acelerado no brasil. Esta evolução poderá contribuir para melhorar a identidade das cidades brasileiras. Ou para destruí-las. Qualquer  que seja a forma de trabalho, arquitetural ou urbanístico, nós, arquitetos, temos o dever de corrigir as consequências nefastas da globalização. Temos que voltar a colocar o homem e nossa civilização como objetivo principal da nossa atividade. Temos que procurar soluções especificas de cada país, de cada meio ambiente, de cada ecossistema.

Como fazer para apurar esse olhar do arquiteto sobre o entorno?

Em relação a paisagem urbana histórica, a Unesco recomenda aos profissionais ler as cidades como uma estratificação de valores imateriais e culturais, e de tecer laços entre conservação e planificação, a fim de que a identidade das cidade não seja limitada à arquitetura e aos monumentos, mas também aos múltiplos aspectos imateriais baseados na cultura local. Assim, uma reflexão sobre a identidade das cidade deverá abranger  o conhecimento de todos os aspectos do modo de vida local e de integra-los nos projetos urbanos, propondo a criação ou  preservação de meios, permitindo a existência dos diversos  aspectos da cultura local: arquiteturais ou imateriais. Além dos aspectos físicos  e visíveis arquiteturais, no nível urbano é imperativo propor nos espaços públicos ou na arquitetura da esfera privada elementos que permitam a prática de costumes próprios a cada cultura.  Esse tema tem sido um dos tópicos centrais do meu trabalho, seja em arquitetura ou em urbanismo, e tive a sorte de tratar desse assunto numa  escala  metropolitana em Bordeaux, em um projeto que começou há 15 anos, em 1997, e que esta sendo concluído agora, projeto que inclui o centro histórico e mais seis cidades periféricas.

O que seus projetos querem comunicar ao mundo?

As formas de praticar a arquitetura e urbanismo com objetivos de preservação do patrimônio humano ou ambiental. Maneiras de praticar nossa profissão, numa perspectiva antagônica às atitudes predatórias praticadas por alguns profissionais ainda não conscientes da nossa responsabilidade social. Temos que voltar a colocar o homem e nossa civilização como objetivos principais da nossa atividade. Temos  que procurar soluções para compensar a perda das identidades especificas de cada país, de cada meio ambiente, iniciadas no período moderno e acentuadas no período contemporâneo, exprimindo por meio da decadência dos espaços das nossas cidades e da nossa própria civilização.  É só assim, reunindo nossos esforços respectivos, poderemos contribuir para a construção de uma arquitetura mais digna e mais humana, que não reflita ausência de valores,  como é frequentemente o caso da arquitetura atual. Criaremos assim uma arquitetura ecossistêmica que respeite os contextos urbanos,  físicos, culturais e ambientais. A meu ver, essa será a característica principal da arquitetura do futuro, a arquitetura pós-contemporânea.

Fonte: Jornal Estado de Minas, edição impressa e veiculada em 06 de janeiro de 2013.

0 comentários:

Postar um comentário